A Quaresma é um tempo litúrgico proporcionado pela Igreja para nos prepararmos para a Páscoa do Senhor. Iniciado na celebração eucarística da quarta-feira de cinzas, esse tempo traz um apelo: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15b).
Para responder a esse apelo de conversão que o próprio Deus nos dirige, é fundamental que, assim como o povo de Israel, tenhamos a coragem de “sair do Egito” e sua cultura de escravidão e de adentrar no deserto (cf. Ex 15,22-27) para o qual somos atraídos pelo Senhor a fim de que Ele nos fale ao coração (cf. Os 2,16).
Mas, o que significa o deserto? Que frutos podemos colher no deserto espiritual? Que atitudes práticas devemos tomar para que possamos ser introduzidos nesse “lugar”? Essas são algumas questões que procuraremos meditar ao longo deste texto.
Poderíamos começar refletindo que o deserto é um “lugar” de experiência com Deus. Na verdade, o deserto é o nosso próprio coração onde nos encontramos com Deus e conosco mesmo.
Porém, para que essa experiência de encontro aconteça, é preciso, antes de mais nada, prepararmos um ambiente definido essencialmente pelo silêncio interior, portanto, favorável para que possamos escutar a voz do Senhor e trilharmos um caminho de intimidade capaz de nos conduzir à purificação do coração, que constitui o apelo inicial da Quaresma, o qual não podemos perder de vista.
Mas, nesses tempos em que tantas vozes se erguem de todas as direções e com diferentes tons, como atingir esse estado de silêncio interior? O recomendável é, em primeira mão, “usar dez vezes mais as nossas forças” para nos furtarmos de barulhos exteriores e, embora isso ainda não represente o silêncio da escuta de Deus, constitui o primeiro passo para entrar nele. Esse estado de silêncio interior favorece o esvaziamento e a docilidade necessários para que Deus possa falar e agir em nós. É evidente que isso exige uma atitude de vigilância redobrada.
O fato de o deserto significar um encontro com Deus e conosco mesmo nos insere num ambiente de batalha espiritual, uma vez que, diante da luz divina, as trevas das nossas paixões emergem e somos também assolados por tentações. Há então um confronto entre a carne e o Espírito, porém não estamos sozinhos, o Senhor também combate por nós. A oração, a Palavra, o jejum, a confiança em Deus são armas poderosas para nos conceder a vitória sobre nós mesmos e sobre as investidas do inimigo. Ou seja: Deus age em nosso favor, no entanto, conta com os nossos esforços. Um exercício interessante seria contemplar como Jesus reagiu ao ser tentado no deserto (cf. Lc 4,1-13).
Conforme já mencionamos, no mistério do deserto, o homem se enxerga à luz de Deus, deparando-se com realidades interiores necessitadas de conversão. Deparar-se conosco mesmo deve gerar em nós uma contrição perfeita. Portanto, não é hora de desanimar, mas contando com a força e a graça de Deus, agir com violência contra nós mesmos, pois, como bem disse Jesus, são os violentos que arrebatam o Reino dos céus (cf. Mt 11,12).
Abaixo, sugerimos algumas práticas para entrar e permanecer no deserto quaresmal:
- Buscar o silêncio interior: evitar, o máximo possível, atividades que envolvem barulhos: TV, redes sociais, conversas frívolas, tagarelices etc., acautelando-se, inclusive, contra pensamentos que provocam dispersão à alma.
- Intensificar a vida de oração: estabelecer um horário diário para estar a sós com Deus, lembrando que a fidelidade gera fecundidade: “E ele (Jesus) se retirava aos lugares desertos e rezava” (Lc 5,16).
- Dedicar-se à leitura diária da Palavra de Deus: além da liturgia diária, fazer leitura de um livro bíblico e, sendo grande proveito espiritual, utilizar o método da lecctio divina (na internet é possível encontrar os passos desse método de oração com a Palavra de Deus), considerando que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar, corrigir, educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para qualquer obra boa” (II Tm 3,16-17).
- Procurar o sacramento da reconciliação: preparar-se com antecedência, por meio de oração para reconhecimento sincero dos pecados pois “um coração despedaçado e triturado, ó Deus não rejeitarás” (Sl 51,19b).
- Realizar as práticas recomendadas pela Igreja: além da oração, jejum e esmola, sendo fecundo também fazer outras práticas penitenciais, de acordo com a escolha pessoal.
- Esforçar-se para receber a Eucaristia: senão diariamente, o máximo possível de vezes durante a semana.
É evidente que essas são apenas algumas sugestões que podem nos ajudar a fazer a opção de permanecer com o Senhor no deserto do nosso coração. Não é demais acrescentar que isso demanda determinação, disciplina e esforço pessoal, mas também é importante enfatizar que vale muito a pena vender tudo o que temos para adquirir a pérola de inestimável valor (cf Mt 13,46).